Simplicidade

"Sintaxe à vontade"

17:05

Para pensar...

Sentimento simplificado por Caribé |

                "Esta é a história de um homem a quem eu definiria como um pesquisador.
Um pesquisador é alguém que busca; não necessáriamente alguém que encontra.
Tão pouco é alguém que, necessáriamente, saiba o que anda a buscar.

É simplesmente alguém para quem a vida é uma busca.

Um dia, o pesquisador sentiu que deveria ir até á cidade de Kamir.
Tinha aprendido a respeitar rigorosamente aquelas
sensações que vinham de um lugar desconhecido
de si mesmo.

Por isso deixou tudo e partiu.
Depois de dois dias de marcha pelos caminhos
empoeirados, avistou, ao longe, Kamir.

Um pouco antes de chegar à povoação, chamou-lhe
vivamente a atenção uma colina à direita
da azinhaga.

Estava atapetada de um verde maravilhoso e tinha
uma grande quantidade de árvores, pássaros
e flores encantadores.

Estava inteiramente rodeada por um pequeno muro
de madeira brilhante.

Um portalzinho de bronze convidava-o a entrar.

Sentiu logo que o povoado lhe fugia da memória
e sucumbiu à tentação de descansar por
um momento naquele lugar.

O pesquisador ultrapassou o portal e começou
a caminhar lentamente por entre as pedras brancas
que estavam dispostas ao acaso por entre as árvores.

Deixou que os seus olhos se pousassem como borboletas
em cada pormenor daquele paraíso multicolor.

Os seus olhos eram os de um pesquisador e foi talvez
por isso que descobriu aquela inscrição sobre
uma das pedras:
Abdul Tareg, viveu 8 anos, 5 meses,
duas semanas e 3 dias.

Ficou um pouco surpreendido ao dar-se conta de que
aquela pedra não era simplesmente uma pedra:
era uma lápide.
Sentiu pena ao pensar que um menino de tão
tenra idade estava enterrado naquele lugar.

Olhando á sua volta, o homem deu-se conta que
a pedra ao lado também tinha uma inscrição.
Aproximou-se para a ler.
Dizia: Yamir Kalib, viveu 5 anos,
8 meses e 3 semanas.

O pesquisador sentiu-se terrivelmente comovido.
Aquele lindo lugar era um cemitério e cada pedra
era uma campa.

Começou a ler as lápides uma por uma.
Todas tinham inscrições semelhante:
um nome e o tempo exato de vida do morto.

Mas o que o enleou de espanto foi comprovar
que aquele que tinha vivido mais tempo
mal ultrapassavaos onze anos.

Paralizado por uma dor terrível, sentou-se e
pôs-se a chorar.

O encarregado do cemitério passava
por ali e aproximou-se.

Observou-o a chorar durante algum tempo
em silêncio e perguntou-lhe logo a seguir
se chorava por algum familiar.

-Não, não é por nenhum familiar- disse o pesquisador.
- Que se passa nesta povoação?
Que coisa horrível acontece nesta cidade?
Porque é que há tantas crianças enterradas neste lugar?
Qual é a maldição horrível que pesa sobre estas pessoas,
que as obrigou a construir um cemitério de crianças?

O ancião sorriu e disse:
- O senhor pode tranquilizar-se.
Não existe uma tal maldição.
O que acontece é que temos um costume antigo.

Vou contar-lhe:

"Quando um jovem completa quinze anos,
os seus pais oferecem-lhe um livrete como este
que tenho aqui, para que o pendure ao pescoço.

É tradição entre nós que, a partir deste momento,
de cada vez que alguém desfrute de alguma coisa,
abra o livrete e anote nele:

À esquerda, o que foi desfrutado.
À direita, quanto tempo durou o prazer.

Conheceu a sua noiva e enamorou-se dela.
Quanto tempo durou essa paixão enorme
e o prazer de a conhecer?

Uma semana?
Duas?
Três semanas e meia?
E depois, a emoção do primeiro beijo.
Quanto durou?
O minuto e meio do beijo?
Dois dias?
Uma semana?

E a gestação e o nascimento do primeiro filho?
E as bodas dos amigos?
E a viagem mais desejada?
E o encontro com o irmão que
regressa de um país longinquo?

Quanto tempo durou o desfrutar
dessas situações?
Horas?
Dias?

Assim vamos anotando no livrete cada momento
que desfrutamos em intenso prazer.

Quando alguém morre, é nosso costume
abrir o seu livrete e somar o tempo em
que sentiu prazer para anotarmos
sobre a sua campa.

Porque é esse o que conta à nós
o único e verdadeiro
tempo VIVIDO.!!"
 
(Jorge Bukay)

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