Simplicidade

...E os papéis que dominavam o mundo
voaram pelas ruas em redemoinhos.
E as vozes se distanciaram para os abismos
que os sorrisos falsos cavaram.
E os predios foram caindo, andar por andar,
como se ajoelhassem no chão em clemência.
E as sirenes foram mudando aos poucos de tom
até se tornarem cantos de pássaros
E as preces foram ficando mais altas e se agrupando no céu,
formando nuvens claras como algodão.
E a terra veio gigante devorando o asfalto.
E as árvores mordendo os fios e derrubando os postes.
Os rios vomitavam os lixos e defecavam o esgoto.
E desmatou-se a cidade para contruir florestas.
Mas de manha quando acordei,
la estavam os papéis censurando meu sonho.

Lá fora uma paisagem linda,
árvores com galhos retorcidos,
abraçando o oxigênio,
fazendo sombra num banco de praça,
onde o amor acontece entre um par,
saboreados pela brisa suave,
que leva de pouco em pouco o suor inesgotável,
que se torna chuva junto com a água dos mares e rios,
e cai lento, escorregando no tempo, entre o céu e o chão,
e cada gota escolhe onde pingar,
e quando cai nas poças por elas formadas,
parecem tirar a água que la está para dançar,
e se ouve música, mesmo em silêncio.

E aqui, do lado de cá,
tem olho que nao quer ver,
tem ouvido que nao quer escutar,
tem palavra que nao consegue confortar,
aí não há janela que consiga mostrar,
tudo de belo que há do lado de lá,
porque de tristeza se constroem muralhas,
e de medo se constroem grades,
e de céu só se recorta um pedaço,
pra guardar de lembrança em um papel embrulhado,
num quarto esquecido, dentro de um armário,
numa parte do pensamento,

E pensamento devia ser como gás-carbônico,
filtrados pelo pulmão,
exalados como suor,
soltos da gaiola como passarinho,
deviam ser como gota de chuva,
que escolhe onde quer cair,
devia ser como a música silenciosa,
devia dançar debaixo da árvore,
e abraçar o amor sentado no banco,
daquela praça que está do lado de lá,
da janela que usamos apenas pra observar,
como seria bom saber viver,
como seria bom aprender a amar.

Não existe bicho mais esquisito.
animal que não se conforma em ser animal,
imagina estar à frente de suas supostas virtudes.
se estuda, se qualifica, mas nunca se entende.
denomina racional seus pensamentos de "semi-deuses".
Desenvolvem sua organização acreditando ser de infinita esperteza.
Definem-se como filhos diretos do Criador, estando fieis à sua imagem e semelhança.
Ridicularizam os de opniões contrárias àquilo que não conseguem entender ou suportar como verdade.
Baseiam sua existência em sua auto ou baixa-estima.
Procuram a todo momento sua auto-afirmação.
E procuram enfeitar-se para alimentarem o ego com elogios e invejas.
Não se conformam em não serem superiores ao outro.
Convivem a todo momento com a insegurança.
Negam a todo momento sua infantilidade.
Mas é nela que se baseiam seus pensamentos mais primitivos,
aqueles que realmente os confronta.
tentam valorizar tudo,
Para com isso encontrarem o seu próprio valor.
E se esquecem que tudo que tem valor é coisa barata.
Todo ser humano se julga melhor e mais esperto do que os demais.
Todo ser humano se diz portador da verdade.
São sempre convencidos, as vezes convencem.
E a todo momento acreditam serem os mais espertos.
São os únicos animais presenteados com o "destino divino".
E também pensam que tudo acontece por um motivo.
Criam leis, teorias, invenções, jogos.
Não suportam a idéia de um apagar eterno das luzes da vida.
Na existencia apenas de um amontoado de células com a ausência de alma.
Ouvem outras vozes e acreditam estar vindo do além.
supõe que o futuro pode ser revelado através de pedrinha e conchinha jogadas a mesa.
em cartas de baralho, bola de cristal, ou qualquer idiotice do tipo.
Acreditam que sua personalidade esteja traçada pela época do ano em que nasceram.
crêem que as estrelas, que estão la a milhas de distancia influênciam diretamente suas vidas.
Sua vidinha insignificante que busca significado em tudo.
E acredita estar aqui por algum motivo superior.
Acordam como heróis e dormem como fraudes.
Não somos! Não somos nada!
Apenas estamos, enquanto condição!
ora somos pessoas felizes, ora triste.
ora somos santos, ora somos endiabrados.
O verbo estar é o único que conjuga a verdadeira condição do ser-humano.
estamos a todo tempo representando um papel.
Somos os grandes artistas do universo.
Somos bichos escrotos!

Não importa se estamos com pressa ou devagar demais.
não importa se estamos com sorrisos leves ou lágrimas pesadas.
não importa se estamos de mãos dadas ou ha uma milha de distancia.
se vagamos em algum lugar entre o passado e o tempo agora.
se encaramos o medo ou fugimos com ele.
se jogamos fora a culpa ou se deixamos que ela permaneça empulerada em nossas costas.
se vencemos ou nao o jogo.
se dormimos ninados por um bom sonho ou atormentado sempre pelos mesmos pesadelos.
nao importa se olhamos para o céu ou para o chão.
se estamos sozinhos ou se somos a metade de um inteiro.
se estamos dançando ou parados no canto vendo os outros dançarem.
se pedimos desculpas ou se somos impedidos pelo orgulho.
se suas palavras nao fazem tanto sentido.
se seu caminho ainda não esteja traçado.
não importa se as vezes parecemos loucos. Afinal, somos loucos mesmo.
Nada disso importa se tudo de fato for verdadeiro.
Se tudo de fato é o que se está sentindo.

Na minha vida nada é constante. Tudo é dividido em fase

Tem fase que eu to rindo ate de arvore na rua
tem fase que eu quero que va tudo pro inferno
Tem fase que eu acerto o alvo ate de costas
tem fase que se eu caio de costas eu quebro o nariz
Tem fase que eu me sinto um Sheik Árabe
tem fase que me sinto um habitante da Somália
Tem fase que eu quero falar com todo mundo
tem fase que eu quero falar sozinho
tem fase que eu tenho que finjir tristeza
e outras que tenho que finjir alegria
tem fases que eu nao finjo
tem dias que eu gostaria de passar dormindo
e noites que eu gostaria de ficar acordado
tenho dias de fé e dias de dúvida
época de plantar, época de colher
e tem ainda quando chove muito
e voce perde tudo
as vezes tenho vontade de colocar uma melancia na cabeça
outras de me esconder atras de uma melancia
tem coisas que nao suporto
dessas nao ha fase que me faça mudar de idéia
Tenho fase que quero ser presidente de uma multinacional
E tem fase que a idéia de ter uma bar na praia nao me sai da cabeça
Nao importa a fase em que eu esteja
em todas elas eu só penso numa coisa
em ser feliz!
E se a fase ta ruim,
Negócio é pegar o máximo de vida que eu conseguir,
derrotar o chefão e passar pra próxima.

Bem vindo à próxima fase!

O azar está à espreita
espiando por trás das cortinas
pairando no vento entre a boca e a comida
voando baixando procurando em quem pousar
se ocultando em promessas não cumpridas
feitas por nós para nós mesmo
faz-nos evitar tomar iniciativas
concorrendo à sorte como em premios de loteria
proferindo palavras de reza em sussurros
ao pé do ouvido do Criador
se baseando em eventuais possibilidades
e acreditando que tudo aquilo era pra ser assim
o azar é apenas um instrumento para que as coisas saiam conforme o roteiro
e mesmo assim fazemos planos e mais planos para nós
enquanto que o azar só faz um plano para cada um
estamos sempre jogando os dados
esperando tirar numeros altos
mas uma hora o número 1 tem de sair
e a mesa sempre vence
nesse gigantesco cassino de 1000 andares
tanto pra cima quanto para baixo
e dependendo da sorte na roleta
nos aproximamos mais da cobertura ou do porão
O azar é sempre o melhor jogador
por que quando ele entre em jogo
jamais perde
Ele é o senhor do tempo
é a bateria do relógio que comanda nossa estadia no mundo
a mão que vira e desvira a ampulheta da vida
o maestro que rege nossa sinfonia desafinada
A nós resta tentar permanecer no compasso
ou, pedir licença e virar platéia
e assistir a vida passar.

O que somos senão a semelhança?
senão a experiência de outros
do que reclamamos senão de problemas ja superados antes
em outras vidas, vidas vividas por outras pessoas
de que somos feitos senão do pó para onde voltamos?
o que são nossas lembranças senão pinturas gravadas em cavernas pré-históricas?
o que somos sem o outro?
o outro que sentimos raiva?
que amamos; que matamos; que decepcionamos;
pq as vezes finjimos ser o que nao sabemos ser?
o que somos senão trilhas abertas
nessa floresta adentro de sentimentos intocáveis e ferozes?
o que somos senão reação química?
acumulado de moléculas?
ou será que somos algo além disso?
Será que tudo é uma grande dinâmica?
estamos concorrendo ha algum emprego em um desses lugares paradisíacos
numa dessas estrelas que brilham sobre nossa cabeças a anos luz daqui?
Em alguma ilha remota, de paisagem amendrontadora de tão bela?
ou somos, então, mesquinhos?
Tantas perguntas sem respota
tantos blefes sem apostas
tantas pancadas nesses instantes que parecem eternos
Como já me disseram; talvez um dia eu ria disso tudo
enquanto esse tal dia não vem
vou chorando escondido.

Eu costumo desafiar meus costumes
Tragando essa fumaça alheia
Juntando um pouco de cada
Imitando os gestos
Às vezes me sinto um pouco desajeitado
Como se andasse pelado
Saltando de braço em abraço
Nas controvérsias de sorrisos ofuscados
Por lembranças vagas de um caminhar tortuoso
Esse nunca demasiadamente apressado
Encaixando passos em pegadas de outros
Murmurando canções antigas que se perderam na atmosfera
Sem pressa, caminho
Desenhando a estrada com o pensamento
Seguindo estrelas num dia nublado
Bebendo água do sereno
Dormindo de costas pro mundo
Quero ir além do limite proposto
Mas não passo da cerca do medo
Estive por vezes no meio
Entre o lá e o cá
Permaneço dando passos para os lados
Desvaneço sempre que posso
E posso sempre que tento.